O fenómeno das espécies introduzidas fora do seu habitat natural não é novo nos arquipélagos, onde a fragilidade dos ecossistemas faz com que os equilíbrios ecológicos possam ser alterados. A chegada de predadores forasteiros costuma produzir um efeito em cadeia que acaba por afetar a fauna. E é precisamente o caso da espécie invasora nas Ilhas Canárias que estamos prestes a revelar.
A sua rápida propagação e capacidade de adaptação reduziram as populações de répteis endémicos, o que, por sua vez, favoreceu um aumento desproporcional de artrópodes como moscas, mosquitos e percevejos, uma consequência que já começa a tornar-se um problema de gestão ambiental.
Qual é a espécie invasora nas Canárias que altera o equilíbrio ecológico?
O Conselho Superior de Investigação Científica (CSIC), através do seu grupo COBIO, confirmou que a cobra real californiana (Lampropeltis californiae) constitui atualmente a espécie invasora mais preocupante nas Canárias.
O estudo, publicado na revista Ecological Processes, indica que esta cobra, introduzida no final do século XX na Gran Canaria, gerou uma mudança drástica na cadeia trófica.
A dieta do animal no seu habitat natural inclui outras cobras, mas no arquipélago adaptou-se às presas disponíveis, como lagartos, ratos e pequenas aves.
A consequência direta é a diminuição de répteis endémicos como o lagarto gigante de Gran Canaria (Gallotia stehlini), a lisa grancanaria (Chalcides sexlineatus) ou o perenquén de Boettger (Tarentola boettgeri). Com menos predadores naturais, os insetos encontraram via livre para se multiplicarem.
Percevejos e mosquitos em expansão
Os dados do estudo revelam números concretos: no início da estação húmida, as zonas invadidas apresentavam 84,12% mais moscas e mosquitos, quatro vezes mais percevejos e mais do dobro de formigas e abelhas em comparação com as áreas livres da espécie.
Este aumento de artrópodes, especialmente de hemípteros, não implica apenas incómodos urbanos. Os especialistas alertam que pode derivar em pragas agrícolas e riscos para a saúde pública, devido à relação de muitos insetos com a transmissão de doenças ou com a contaminação de culturas.
Por que é complicado travar esta espécie invasora nas Canárias?
As autoridades das Ilhas Canárias há anos tentam controlar a espécie invasora nas Ilhas Canárias por meio de campanhas de captura. Desde 2007, cerca de 20.000 cobras foram removidas, embora a capacidade reprodutiva do animal supere em muito os esforços de erradicação.
Cada fêmea pode pôr mais de 10 ovos por ano e sua atividade é subterrânea durante a maior parte do ciclo de vida, o que dificulta sua localização.
O período de captura mais eficaz limita-se a quatro meses, entre meados de março e meados de julho. Fora deste intervalo, a deteção torna-se mais complicada, o que favorece a continuação da expansão da população para novas zonas da Gran Canaria, como Gáldar, Las Palmas de Gran Canaria, Telde, Santa Brígida ou San Bartolomé de Tirajana.
Qual é o risco de a cobra real saltar para outras ilhas?
Os investigadores não descartam que a espécie invasora nas Canárias possa se espalhar para outras ilhas. Já foram interceptados exemplares em Tenerife e Fuerteventura, o que aponta para um risco real de dispersão acidental ou mesmo intencional.
A cientista Marta López, do Instituto de Produtos Naturais e Agrobiologia (IPNA-CSIC), adverte: «Há possibilidades reais de que passe acidentalmente ou deliberadamente para outra ilha». Segundo a especialista, ainda não se conhecem todas as repercussões desta invasão, mas suspeita-se que também afete aves e outras espécies não estudadas em profundidade.