A investigação revelou um esquema de manipulação processual em processos civis, que incluía ações judiciais quase idênticas, repetição de depoimentos de testemunhas e falsificação de provas, que funcionou durante muitos anos sem ser detectado
A confirmação judicial da acusação de um grupo de oito pessoas, incluindo quatro advogados e dois juristas, chamou a atenção para as manipulações de uma organização envolvida em fraudes contra companhias de seguros. A Quarta Câmara da Câmara Nacional de Assuntos Penais e Correcionais indeferiu os recursos apresentados pelos defensores dos acusados. Assim, confirmou as conclusões acusatórias proferidas pelo juiz no âmbito da investigação do procurador que chefia a 57ª Procuradoria Nacional de Assuntos Penais.
A origem do caso remonta a uma denúncia de várias seguradoras que detectaram um padrão recorrente de reclamações por acidentes de trânsito com ferimentos e danos a veículos segurados. Segundo a procuradoria, a fraude consistia no facto de um dos arguidos, representado por um dos advogados envolvidos no caso, atuar como queixoso no Tribunal Civil Nacional.
Em cada caso, ele exigia uma indemnização por acidentes de trânsito nos quais alegadamente era vítima ou, num caso, culpado. Para fundamentar as suas reivindicações, o grupo apresentava testemunhas próximas do queixoso, orçamentos falsos e fotografias repetidas dos mesmos acidentes de trânsito, de acordo com as informações publicadas no site do Ministério Público.
O que revelou a investigação
Durante a investigação, verificou-se que as testemunhas apresentadas em vários processos não só se repetiam, mas também, em alguns casos, mantinham relações com os co-autores, o que era sistematicamente ocultado aos juízes civis. Além disso, foi confirmada a utilização das mesmas imagens e orçamentos para comprovar vários acidentes, o que reforçou a hipótese de uma estrutura organizada e sustentável.
Em abril, o procurador apresentou acusações contra oito suspeitos de participação numa associação ilegal, cujo objetivo era cometer crimes indefinidos relacionados com fraude processual, pelo menos desde 2022.
A juíza, após analisar as provas recolhidas, apresentou aos arguidos acusações de associação ilegal e cinco factos de fraude processual, dos quais três correspondiam a tentativa de fraude e dois a fraude consumada. Além disso, ordenou o arresto dos bens dos arguidos.
Confirmação da câmara
A decisão da Câmara Nacional de Apelação confirmou a existência de uma organização com «um certo grau de coesão e permanência no tempo, que não se altera significativamente, porque os seus membros mudam de funções ou limitam a sua participação nos casos para não revelar as suas atividades criminosas», como afirmaram os juízes. Os juízes salientaram que as ações conjuntas dos arguidos incluíam a gestão de recursos materiais, tais como documentos e fotografias, bem como os conhecimentos técnicos necessários para a emissão de apólices de seguro, a simulação de sinistros e a apresentação de ações judiciais.
Na sua decisão, os juízes salientaram que «foram identificadas as ações dos membros do grupo, incluindo a constatação de que as mesmas pessoas atuaram como testemunhas em mais de um caso, e que com alguns deles tinham relações diversas que foram ocultadas ao juiz, além de terem tentado falsificar os prejuízos declarados, apresentando as mesmas fotografias e orçamentos em mais de um processo».
A análise dos processos permitiu estabelecer que as ações judiciais apresentadas por diferentes advogados tinham um formato idêntico em termos de estrutura, forma e tipografia, e que em todos os casos participavam os mesmos intermediários. Os juízes observaram que «a repetição de testemunhas ligadas às partes, bem como a utilização das mesmas fotografias e orçamentos em diferentes processos, convencem da falsidade das reivindicações apresentadas nos processos».
Autores e réus
A investigação também constatou que alguns dos autores figuravam como réus em outros processos e que havia coincidências nas oficinas às quais os orçamentos eram atribuídos, uma das quais se revelou inexistente. Além disso, verificou-se que muitas dessas ações foram julgadas procedentes e até mesmo pagas.
No final, os juízes concluíram que um dos advogados e um dos arguidos eram os líderes da organização, uma vez que criaram as condições para as manobras criminosas, enquanto os restantes participantes desempenhavam as funções atribuídas de acordo com as necessidades da estrutura.