Um estudo em fase de testes permitiu avaliar a memória de forma passiva e poderá facilitar o acesso a tratamentos nas fases iniciais e proporcionar um melhor prognóstico da doença
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 55 milhões de pessoas vivem com demência, e a cada ano são diagnosticados quase dez milhões de novos casos. O Alzheimer, a forma mais comum dessa condição, pode representar até 70% dos casos, sendo uma das principais causas de incapacidade e dependência na população idosa. Nesse contexto, o diagnóstico precoce é de grande importância.
A novidade agora é que um novo teste de ondas cerebrais de apenas três minutos permite identificar problemas de memória associados à doença de Alzheimer (DA) muito antes de os pacientes receberem um diagnóstico convencional.
Este avanço poderá facilitar, no futuro, intervenções farmacológicas em fases iniciais e representa uma esperança para aqueles que procuram beneficiar dos tratamentos mais recentes contra a doença.
A ferramenta, denominada Fastball, utiliza tecnologia de eletroencefalograma (EEG) e pequenos sensores colocados no couro cabeludo para registar a atividade elétrica cerebral.
Durante o teste, a pessoa observa uma sequência de imagens num ecrã, enquanto o sistema analisa as respostas automáticas do cérebro a estímulos visuais previamente apresentados. Ao contrário de outros métodos, o Fastball não exige que o paciente se lembre ativamente de informações, pois mede passivamente a memória através da atividade cerebral.
“São necessárias ferramentas de diagnóstico precoces e precisas para garantir que os pacientes possam ter acesso a tratamentos precoces e se preparar para o futuro, e a detecção da DA em pacientes com deterioro cognitivo leve (DCL) representa uma oportunidade clara e evidente. Atualmente, existem novos medicamentos modificadores da doença para a demência, cuja eficácia é máxima quando administrados numa fase precoce, o que torna o diagnóstico precoce ainda mais vital do que antes», afirmaram os investigadores no seu relatório publicado na Brain Communications.
O que descobriram sobre a memória
No ensaio clínico inicial, realizado em colaboração entre a Universidade de Bath e a Universidade de Bristol, participaram 54 adultos saudáveis e 52 pacientes com deterioração cognitiva ligeira (DCL). Este último grupo apresenta dificuldades na memória, no pensamento ou na linguagem, embora estas não sejam normalmente suficientemente graves para afetar a sua vida quotidiana.
Antes do teste, os voluntários identificaram oito imagens, sem necessidade de as memorizar. Posteriormente, durante a avaliação, observaram centenas de imagens, entre as quais se intercalavam as imagens vistas anteriormente. Cada imagem era mostrada durante um terço de segundo e a atividade cerebral era registada em tempo real.
Os resultados revelaram que as pessoas com DCL amnésico, uma variante que afeta principalmente a memória de objetos e que acarreta um risco muito maior de desenvolver Alzheimer, apresentaram respostas cerebrais reduzidas em comparação com adultos saudáveis e aqueles com outras formas de DCL.
Embora o teste não permita prever com certeza quem desenvolverá a doença, os investigadores consideram que, se estudos mais amplos confirmarem essas descobertas, o Fastball poderá se tornar uma ferramenta valiosa para identificar aqueles que têm maior risco e poderiam se beneficiar de medicamentos como donanemab e lecanemab, que demonstraram maior eficácia em fases iniciais.
O Dr. George Stothart, neurocientista cognitivo da Universidade de Bath e um dos responsáveis pelo desenvolvimento do Fastball, destacou a sensibilidade do teste para detectar pessoas de alto risco antes que recebam um diagnóstico formal.
«Isto mostra-nos que a nossa nova medida passiva da memória, que construímos especificamente para o diagnóstico da doença de Alzheimer, pode ser sensível a pessoas com risco muito elevado, mas que ainda não foram diagnosticadas», afirmou Stothart.
Por sua vez, o professor Vladimir Litvak, do Instituto de Neurologia Queen Square da UCL, considerou este avanço como «um primeiro passo para o desenvolvimento de um teste clinicamente útil» e sublinhou a importância de investigar se a ferramenta pode prever a evolução da doença e fundamentar as decisões sobre o tratamento.
A Dra. Julia Dudley, da Alzheimer’s Research UK, avaliou positivamente a investigação e destacou a importância da detecção precoce no The Guardian: “É encorajador ver estudos que exploram possíveis maneiras de detectar problemas de memória mais cedo. Os novos tratamentos para a doença de Alzheimer estão a revelar-se mais eficazes quando administrados nas fases iniciais da doença; portanto, um diagnóstico precoce é fundamental para que as pessoas possam beneficiar deles».
Um aspeto destacado do ensaio foi a realização de todos os testes nas casas dos participantes.
Segundo Stothart, esta modalidade foi fundamental para garantir a acessibilidade e reduzir a ansiedade dos voluntários, o que poderia facilitar a adoção do teste em ambientes não hospitalares e ampliar o seu alcance a populações mais diversas.
Apesar dos resultados promissores, os especialistas alertam que o Fastball ainda se encontra em fase experimental e requer validação em estudos de maior escala e com populações mais heterogéneas. Além disso, lembram que a deterioração da memória pode ser causada por múltiplas causas, não apenas pela demência, pelo que o teste deve ser considerado como uma ferramenta complementar e não definitiva.
O futuro da investigação aponta para examinar como outros fatores podem influenciar os resultados dos testes de ondas cerebrais e avaliar a sua integração com outras técnicas de diagnóstico, como avaliações cognitivas e análises ao sangue, para oferecer uma abordagem mais completa na detecção precoce da doença de Alzheimer.